terça-feira, janeiro 29, 2008

Urbanismo e Segurança ou Descaso e Mortes


A insegurança pública se constitui em um dos maiores temores da sociedade brasileira. Seja real ou apenas aparente, aproximada da nossa realidade pela velocidade dos meios de comunicação e pelo discurso simbólico, reflete, inegavelmente, o medo. “Medo” que Paul Virilio, em Velocidade e Política, descreveu como o mais cruel dos assassinos, pois não mata jamais, mas impede de viver.

É certo que o aumento da criminalidade possui relações indissociáveis com a desigualdade, com a desestruturação do indivíduo, com a falta de perspectivas, etc.

Segurança passa por uma sociedade menos desigual, talvez menos digital, mas passa também por urbanismo.

Por mais estranho que pareça ao tema, essa esquisitice é meramente aparente. Apenas entre os anos de 1999 e 2001 o número de favelas no Brasil cresceu 150%, o Brasil possui um déficit habitacional de 7,2 milhões de moradias, o que representa 32 milhões de pessoas sem um lugar decente para viver. Sem lar.

O tal dívida é reflexo da ausência de políticas habitacionais de médio e longo prazos e da falta de preocupação com a organização do espaço urbano, em especial a ocupação do solo. O descuido nestas áreas, somados ao conforto político da manutenção da situação como ela está geram a favelização.

A favelização, em geral, dá-se verticalmente, em morros e encostas das grandes cidades. Em sua estrutura “urbanística” é formada por vielas, por barracos construídos sobre barracos, por passagens ocultas, por becos, enfim, um labirinto de madeira e cimento, capaz de dar inveja a Dédalus.

Ambiente em que o poder público, historicamente ausente, se vê, voluntariamente ou não, incapacitado de adentrar e cumprir as políticas públicas que a Constituição obriga. A disposição urbana das favelas facilita a ocultação, a prática de crimes e violências, física e psicológica, em que as vítimas são, na maioria das vezes, os que lá residem. Jogados ao morro e esquecidos aos que lá mandam.

O poder público, ciente de sua inoperância e diante da falta de preocupação com a organização efetiva do espaço urbano, acreditando que com o andar da carroça as melancias se ajeitam, fecha os olhos à ocupação desregrada. E só se recorda da situação precária em que vivem quando ocorre um desabamento ou quando traficantes se aproveitam do labirinto para organizar sua atividade e espalhar medo pelo asfalto que fica logo abaixo do morro.

Enquanto isso, a capacidade de resposta do poder público desaparece e a degradação ambiental, que antes era a desculpa para não licenciar o loteamento, já está feita.

O planejamento urbano se constitui política pública da mais alta importância. O Estado não dispõe de meios para impossibilitar a ocupação desregrada. Na Europa, os castelos e mansões localizam-se nas encostas dos morros, locais nobres. No Brasil, por serem imaculáveis pela ocupação lícita e por não haver uma política habitacional efetiva aos desprovidos, são ocupados por quem não tem onde morar.

Resultado: danos ambientais, desabamentos, mortes e ausência do Estado a quem mais necessita, os subjugados pela força e pelo medo.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Desafiando o conforto ou Vivendo os sonhos


O olhar da criança ao arriscar os primeiros passos é fixo em algum ponto do chão, mais à frente. Desviá-lo pode ser fatal para a continuidade de seu caminho; cair talvez seja o destino inexorável. Ela cai, senta, olha perdidamente em uma busca de auxílio, mas, em seguida, reinicia a sua tentativa, só... levanta-se instável, equilibra-se e vai em frente. Logo, logo, estará correndo, esquecendo-se, para sempre, da dificuldade que tivera nos primeiros passos.

A criança desafia o conforto do colo dos pais para desbravar o desconhecido. A sede por conhecer, tocar o novo e saborear a vida retira-a da posição de espectadora. Instintivamente, procura saciar a sua fome de viver.

À noite, enquanto dorme, sorri. Será que em seus sonhos ela caminha? Corre? Flutua? Quem sabe? Inegavelmente, contudo, as crianças são desbravadoras, conquistadoras de um mundo que se coloca à sua frente e, ignorando o conforto, lutam para viver os seus sonhos.

Nós, adultos, embasbacados diante da graça que apresentam fechamos os olhos para isso e deixamos de aprender com eles. Sim, pois, não raro, renunciamos aos nossos sonhos em nome do conforto, daquilo que chamamos de estabilidade – seja emocional, financeira, laboral...

A questão é o quão doloroso, ou melhor, danoso para nós mesmos, é esta renúncia. Quantas vezes as oportunidades passam e restamos parados, sentados à janela, assumindo a posição passiva de espectadores. Quantos momentos desafiadores, instigantes e cálidos atravessam nosso caminho e deixamos de assumir a posição à qual nos difere na coletividade, a de protagonistas, perdendo experiências – talvez o maior bem do ser humano. Experiência que não se confunde com idade, mas com situações vividas. Situações estas que enriquecem o indivíduo e o torna fascinante.

Dentre as várias características, classificações ou rótulos que se atribuam ao sujeito temos os “espectadores” – acomodados com a situação de vida que enfrentam – e os “protagonistas” – inquietos irrequietos que insistem em sempre buscar algo mais. Em enfrentar e superar vários desafios, muito embora tais desafios possam trazer “quedas” e algumas dores. Contudo, o horizonte descortina-se diariamente às suas frentes e, ao menos ao meu gosto, transformam as suas vidas em algo bem mais saboroso.

Inegável que cada um de nós, independentemente de nossas características mais marcantes, passa por momentos mais “espectadores” e outros mais “protagonistas”, afinal, felizmente, não somos pessoas acabadas ou concluídas, mas em permanente mutação, aprimoramento ou perecimento.

Contudo, apesar de tais momentos, a permanente manutenção e busca de atitudes protagonistas nos coloca do lado mais saboroso da vida, às vezes amargo, mas, fundamentalmente, o mais importante, mantém vivo o paladar da vida, a desafiar o conforto e a viver os sonhos.

domingo, janeiro 13, 2008

Entre lágrimas e despedidas ou Da arte de arrumar malas


Mudança: troca, substituição, alteração, modificação, permuta, inovação, transferência, deslocamento, afastamento...

Palavra ambígua. Divide nosso coração ao meio, entre a euforia incontida e a profunda melancolia. Complicado. Montanha-russa de sensações, maníaca e depressiva, uma espécie de transtorno bipolar com data marcada.

Sofreguidão.

A vontade de deparar-se com o novo ou de retornar ao seio antigo, à estabilidade das relações, ao carinho e afago priscos, longínquos, talvez o nosso mais remoto traço da memória; desatormentar o sentido. Viver mais leve, se é que o peso não é nossa idiossincrasia que nos é apenas característica sermos o que somos, o que sonhamos, o que tememos, o que nos ilumina e destrói.

Na saída são abraços, risos, lágrimas, calafrios, malas, roupas, sapatos, livros, muitos, beijos, olhos carregados, lágrimas que não se permitem suicidar e que embaçam o penhasco da íris. Sonhos abertos, novos sonhos... novos tempos.

Na chegada, o mesmo. Curioso, mas exatamente o mesmo. Alegremente o mesmo.

Vai-se, mas não se abre mão de nada que ficou para trás, ou melhor... Nada ficou para trás!! Apenas não se está mais junto diariamente, mas se carrega no peito, na memória permanentemente presente e nas facilidades das novas tecnologias.

Tal qual antes... apenas um pouco mais remoto.

terça-feira, janeiro 08, 2008

Entre afagos e suspiros ou A versão tropical de “Dos en la ciudad”.

Entre o último disparo do sol escaldante e o primeiro estampido da noite, quase que por casualidade, eles se encontram na praia. Um doce sorriso cúmplice nos lábios. O gélido arrepio da apreensão do encontro situado no poço fundo do estômago. Olham-se, riem e sentam-se na areia.

Há tempo não se viam, ao menos não com a possibilidade de conversar sem estarem premidos pelo tempo, pelas pessoas, pelos compromissos. Aquela noite era só deles. Tal percepção transformava um pequeno em um largo e brilhante sorriso que refletia nas estrelas.

Logo abriram suas bocas e a conversa fluía solta, leve, inebriando-os lenta e vagarosamente, intimamente... o diálogo os entorpecia, tornado supérfluos o vinho e o fumo.

O tempo passou, horas... doces horas. Aliás, parecia não haver tempo, entorno, espaço, eram os dois, sós, apenas os dois na cidade. Nada mais em volta, unicamente suas vozes e o calor da pele de cada um que, aos poucos, se sentia. Encostavam-se em meio à fala e a mão de um repousava carinhosamente no braço do outro. Dedos entrelaçavam-se.

Ela falava mais, gesticulava mais. Ele, encantado, ria e a adorava. Ela perguntava como e quando havia decidido partir, se tiveras filhos e se era feliz. Ele, se ela estava sozinha, e, Ela, sim, que sabia fingir...

A noite passou e quando perceberam, nada mais, nenhuma luz além da lua iluminava a praia, todos dormiam. Dormiram ali. Entre abraços, afagos, carícias, cheiros, mas, curiosamente, sem beijos...

Ao primeiro raio de sol foram para casa. Dele ou dela... tanto faz... e proibiram-se mutuamente de de lá sair. Ficaram o final de semana. Sim, com beijos. Muitos. Sumiram. Desapareceram para o mundo e seus telefones celulares ao perceberem a magia do momento, decidiram, espontaneamente, parar de tocar. Silêncio. Ou quase isso.

Na segunda-feira, quando ele acordou, percebeu que ela já não mais estava ali... mas sorriu. Naqueles dois dias, foram só eles e mais ninguém, apenas dos en la ciudad.