domingo, fevereiro 17, 2008

Infantilizados ou Do hábito de chorar


Há tempos vivo com uma inquietação que, em determinados momentos, aflora. Uma terrível acomodação toma espaço cada vez maior no cotidiano. Vivemos em um ciclo vicioso onde as pessoas são infantilizadas pelo Estado ao buscar regular, exaustivamente, as condutas sociais. Os indivíduos, diante de tal situação, acomodam-se esperando que a “mãe-estado” estenda-lhes mais uma vez a mão para afagar-lhes a cabeça e protegê-los das condutas que “ameaçam” suas brincadeiras no parque de diversões da vida.

Se as pessoas deixaram de acreditar em si próprias e o legislativo passou a querer regular tudo diante de tal inércia, ou se o abuso legislativo levou as pessoas a um estado de total passividade, quase catatônico, ainda não consegui identificar, mas o que percebo é que a cada dia que passa mais me sinto infantilizado. Um menino que é levado pela mão, pela “mãe-estado”, a fim de que a sua vida seja a mais segura. Mesmo que eu dispense o interesse por segurança. O que seria um direito meu.

O excesso de normas leva à destruição da percepção do sujeito como capaz de exercer papel de mudança nos rumos da sociedade. O fetiche da lei inebria de uma sensação quase sexual legisladores e intérpretes, ávidos pela nova regulamentação que os levam ao quase-orgasmo apenas por pensarem que, a partir de então, a salvação de nossa sociedade está garantida.

Cada vez mais temos condutas proibidas dentro de uma sociedade caracterizada pelo risco proveniente da complexidade das novas relações sociais, comerciais e profissionais que se impõem no início do século XXI. Deixamos de acreditar nas pessoas. Pasteurizou-se o sujeito para que ele não fosse capaz de sentir e emitir odores. Lobotomizou-se socialmente as pessoas. Não se reconhece ninguém como efetivamente, axiologicamente, capaz. Parte-se do pressuposto de que as pessoas não possuem capacidade de pensar.

Assim, os “lobotomizados-pasteurizados” passam a, sem perceber, acreditar nisso e a desempenharem o seu papel (ou seria apenas uma participação???) social de forma a não pensar. O cérebro passa a ser considerado apenas como algo necessário para fazer peso à cabeça e evitar que ela tombe incessantemente para um dos lados de nossos pescoços.

Com isso, já que o Estado regula tudo, o indivíduo não se vê mais compelido a pensar o que seria melhor para a sua vida e a dos demais. Quais as suas pequenas atitudes que interferem ou não na vida dos outros. Chega-se à absurda e atrofiada lógica: tudo o que não é proibido é permitido. E a cortesia fenece.

Aí, como é impossível regular-se a vida integralmente – graças à Deus, ou a quem quer que se acredite, diga-se de passagem – inevitavelmente, surgem conflitos sociais cada vez mais fúteis e que, pela inaptidão das pessoas em viver em sociedade sem a coleira ou a mão do Estado, podem ter conseqüências graves.

Hoje, diante do absurdo número de mortos no trânsito se fala em leis bem mais severas, tanto no âmbito do direito penal, como na esfera administrativa. Ou então, para evitar qualquer espécie de delito proíbe-se a comercialização de bebidas alcoólicas após um determinado horário. Proíbe-se, também, de fumar em quase todos os locais habitáveis.

Nunca causei vítimas ao dirigir meu automóvel, nunca briguei após ingerir bebidas alcoólicas e não fumo – salvo umas cachimbadas no final de semana, escondido para não ser apedrejado.

Não se trata de entrar no mérito da questão se tais medidas são adequadas ou não, apenas servem de exemplo. O que pretendo trazer à reflexão é o quanto somos oprimidos por novas leis; um número cada vez mais sufocante que nos leva à acomodação, ao não fazer nada como seres humanos no sentido de alterar as nossas relações com os outros.

A nossa inaptidão para desenvolver relações pessoais saudáveis, mesmo que, por um milagre legal, deixem de figurar no campo do trânsito, da embriaguez ou do tabaco, será transferida para outra esfera de crise e nós, infantilizados, sentaremos na calçada e choraremos até o momento em que a mãe-estado sinalize com a solução, quando, na verdade, estará agravando o problema. Ficaremos cada vez mais mimados e ensimesmados, alheios a um próximo cada vez mais distante.

BlogBlogs.Com.Br

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Celebração da Vida ou Um café com Zaratustra

Viver de forma a querer a mesma vida sempre. É o desafio que se impõe.

A celebração da vida e o entusiasmo em usufruí-la exigem o questionamento acima. Imagine-se sentado sobre o seu próprio caixão observando as pessoas chegarem para dar simbolicamente o último “olá” ou, melhor, o verdadeiro “adeus”, e descortinando-se duas opções: a eternidade do espírito (caso, de fato, exista) ou recomeçar a viver.

Certamente, a partir do medo do inexorável, a morte – paradoxalmente a única certeza da vida – optar-se-ia por viver de novo. Contudo, quando hipoteticamente dá-se tal opção (viver de novo), geralmente, sente-se o desejo de consertar o passado, corrigir os erros, não realizar determinados atos ou de tomar decisões em momentos que escaparam por entre os dedos.

Não seria tão fácil. O desfio que se impõe é se cada um de nós estaria disposto a repetir. Isso! Reprisar, na íntegra, o roteiro de sua vida, sem alterações, com os mesmos equívocos, acertos, vitórias, derrotas, ações e omissões. Os mesmos cavalos encilhados que deixamos passar continuarão passando. As mesmas barcas furadas que tripulamos afundarão. O doce, o amargo e o azedo de nossa caminhada. As oportunidades perdidas serão novamente postas à nossa mesa e tomaremos a decisão errada; atos de bravura e covardia, todos idênticos. Dores, alegrias... tudo igual. Ou seja, verificar se morremos na hora certa.

Morrer na hora certa significa viver o melhor possível para só então morrer. Não deixar nada por viver e querer a mesma vida para sempre. Repetir nossas angústias com a certeza de que ao final teremos curtido cada momento de dor até alcançar o sentimento de sua superação e a conseqüente sensação ímpar de bem estar. Termos as mesmas recompensas mais uma vez.

Intensificar a vida talvez seja a mensagem que se pretende passar. Olhar o futuro, breve ou longínquo, e ter perspectivas, sonhar... mirar o relógio como mais um detalhe que apenas nos afasta temporariamente do que realmente queremos e optamos, pois efetivamente vale a pena e vamos alcançar, ou, ao menos, termos a certeza de que fizemos o possível e fazer o possível é sempre algo a nos preencher de sentido.

Não deixe nada por viver. Celebre a vida ou tome um café com Zaratustra e faça a sua leitura.