terça-feira, março 11, 2008

Vigiados e torturados ou triste verdade.

Duas informações do último final de semana chamaram a atenção daqueles que defendem as liberdades civis ou, simplesmente, que acreditam na dignidade humana a partir de alguns primados trazidos pelos holofotes do iluminismo. De volta às trevas lê-se que, como apurado pela Comissão Parlamentar de Inquérito referente ao grampo telefônico, em 2007, quatrocentos e nove mil (409.000) telefones celulares foram grampeados com autorização do Poder Judiciário; a outra notícia é que, segundo pesquisa do Ibope, vinte e seis por cento (26%) dos brasileiros apóiam a realização de práticas de tortura de suspeitos nas investigações criminais. Provavelmente, o grampo telefônico estatal, se questionado por meio de pesquisa, teria quantidade similar de simpatizantes.

(silêncio para refletir, ou tentar interpretar tais dados)

Entre os entrevistados que apóiam a prática inquisitiva, tida na idade média como o meio mais eficaz para se alcançar a confissão “espontânea” do herege, estão os que possuem maior renda e maior escolaridade (40% dos que possuem curso superior) – ou seja, a sempre lembrada “ignorância” não justifica o resultado. Ou seria a própria “ignorância” que o justifica? Ignorância que divide a sociedade entre homens de bem e outros não tão bem assim; que ensimesmada solidifica um enredado discurso de “nós” e “eles”; que tão bem pugna por medidas violentas contra a violência, até o momento em que tal violência se vira contra ela e, aí sim, torna-se abuso e truculência...

Ao mesmo tempo, descobre-se que o democrático Estado brasileiro, por suas instituições, aproxima-se do “Grande Irmão” da novela de George Orwell (1984). São cerca de 1.120 (mil cento e vinte) determinações judiciais de escutas telefônicas por dia! Algo deveras distante do que se denominaria de inteligência policial.

Levando-se em consideração que estes 409.000 telefones judicialmente grampeados receberam, pelo menos, cinco ligações de pessoas que não eram objeto de investigação (número extremamente baixo), tem-se mais de dois milhões de pessoas que tiveram suas conversas escutadas pela Polícia brasileira. Ou seja, no mínimo, dez por cento (10%) do total de usuários de aparelhos celulares existentes no Brasil tiveram suas conversas devassadas pela sanha investigativa.

O desafio é como interpretar e compreender tais dados. O que significam?

Quanto às escutas, entendo que faliu o sistema investigativo policial brasileiro – sem escutas não fazem mais nada – bem como, sucumbiu o judiciário ao discurso utilitarista de que os fins justificam os meios. A Constituição estabelece como garantia fundamental o direito à intimidade e excepciona a quebra do sigilo. Qual a razão de tal previsão se a regra tornou-se a interceptação? Por que tanta hipocrisia?

Mais danoso a uma sociedade é a falsa liberdade do que a transparente ditadura, pois na primeira somos ludibriados em nossas esperanças, enquanto que na segunda, ao menos, não perdemos tempo sonhando.