segunda-feira, junho 23, 2008

Intransigentes ou De quem nos move.

Quem tem consciência para ter coragem

Quem tem a força de saber que existe

E no centro da própria engrenagem

Inventa a contra-mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado

Quem já perdido nunca desespera

E envolto em tempestade, decepado

Entre os dentes segura a primavera!


A música dos Secos & Molhados expressa um sentimento de continuidade na defesa intransigente daquilo que acreditamos. Segurar a primavera entre os dentes é mais do que um simples dever, uma condição humana daqueles que acreditam em cada palavra do que dizem. O melhor compromisso assumido para com as nossas consciências.

Não se trata de ser intransigente, mas de mantermos sempre a cabeça erguida, com o nosso orgulho intocável, não na concepção de sobreba, empáfia ou presunção, mas na de brio, altivez e amor-próprio. Amor por aquilo que somos e defendemos. Por não modificarmos o nosso discurso com a finalidade de sermos mais dóceis ou parecermos mais domesticáveis. O nosso orgulho nos impede de fingirmos ser o que não somos. De acenarmos com gostos ou predileções que não dispomos.

Sob a relíquia de tão caros sentimentos é que se amolda a "consciência [suficiente] para ter coragem"; encontra-se a força, não se vacila, não se entrega, simplesmente, se é. Existe.

Quem caminha nesse campo não perde. Nunca é derrotado, pois sempre traz consigo "a primavera" entre os dentes. A esperança da vitória, do florescer. A necessidade de luta. E assim, além destacar tais valores e mostrar sua força, move pessoas a caminharem juntos no mesmo sentido, não para simplesmente "vencer" - o que seria pueril e temporalmente identificável - mas, sim, para, na luta, permanecer cotidiana e permanentemente, revolucionando o espaço e desafiando aquilo que aí se pôs.

sexta-feira, junho 13, 2008

Opressão ou O preso

O último gole do café amargo combinava com o final do telefonema. Felício, sentado, olhava para a parede branca. Sentia-se oprimido. Duzentas atmosferas pressionavam seus ombros na direção do centro da terra. O que queriam dele era pesado. O peso arranhava sua garganta, seu estômago; tornava azedo o sabor de tudo o que provava na vida. Ou será que era insípido o que experimentava? Não sabia. Sentia, apenas, que sua visão não era mais tão larga, restringia-se a pontos fixos, sem a percepção do entorno, sem a compreensão do mundo.

Resolveu sair para caminhar. Era seu horário de almoço. Despediu-se rapidamente dos colegas da repartição onde desempenhava seu trabalho sem graça e saiu pela porta. Duas horas depois, nunca mais voltou.

Até hoje sua família e amigos buscam notícias de Felício. Boatos sobre ele são vários, mas nenhum que se possa dar real confiança. Ninguém sabe ou compreende como alguém que sempre parecera tão alegre e entusiasmado com a vida, simplesmente, anonimamente, sumiu...

Seus últimos relatos falavam da tal opressão. O que era tão grave? Perguntavam os amigos e a família, ele dizia que nada de específico. A vida se tornara pesada, o ar era chumbo, as trivialidades não arejavam sua existência com o perfume das flores, mas sim, permeavam com cheiro de enxofre seu olfato cotidiano.

O mais belo se tornara cinza, o mais alegre, ácido, o mais suave, em áspero. Nada mais lhe motivava. Buscava novas atividades como forma de espanar a rotina e ser reconquistado pela vida. Não adiantava, nada lhe satisfazia. Só de ouvir o seu telefone tocar, murchava, afundava em sua cadeira. Sentia sua garganta fechando. Vontade de chorar...

A verdade? Hoje se encontra em um lugar distante na América do Sul. Entre bicos, de tempos em tempos, consegue meios de subsistência. Seu celular não toca mais - aliás, deixara sobre sua mesa, no dia de sua fuga, talvez a sua mais brilhante decisão. Às vezes não tem dinheiro, em muitas sente frio... não freqüenta os lugares charmosos que tanto esteve e nem mesmo mais que cinco livros possui... porém, voltou a ver o sol brilhar, ao menos agora o percebe... ouve os pássaros cantarem, as suas noites são cobertas por estrelas que brilham sem parar... e, ainda, hoje ri, quando vê alguém agoniado, a correr sem parar, como se a querer carregar o mundo sobre os ombros...