quinta-feira, setembro 18, 2008

A agonia de Bernardo ou Para algum amigo

Bernardo acreditava em um mundo sem regras rígidas. Tanto em relação ao trabalho quanto nas questões afetivas. Era ideologicamente contrário a tais predisposições que buscavam, segundo ele, domar o animal que cochila em cada um de nós.

O problema surgia quando se envolvia emocionalmente com alguém. Era difícil. Geralmente iniciava seus relacionamentos sem muita convicção, devagar, sem grandes demonstrações de afeto, discursando sobre a liberdade, sobre a busca permanente de prazer... ...até o dia em que percebia que a liberdade do outro era uma carga pesada e áspera demais para suportar.

Aí, sofria. Hipócrita? Não. Humano. Demasiado humano.

E então, começava a tortura: continuar, investir, afastar-se... E aí, sem perceber, ou secretamente notando, também impunha sofrimento. Palavra chata! Superada em sua amolação apenas pela imolação de suas convicções.

E assim vivia; sem entregar-se de verdade. Sempre deixando abertas saídas de incêndio para o seu coração. Rotas fáceis. Cômodas. Porém, destituídas de taquicardias e mãos suadas.

Nunca se perdera em meio ao dia a dia com pensamentos distantes em alguém. De certo modo, lamentava isso. Mas em verdade, gerava isso. Morria de medo de tal possibilidade, pois tal fuga de imagem significaria a renúncia às convicções de liberdade plena – tão lindas no papel e na fala, mas tão distantes do coração.

O auto-engano era ideológico, não sentimental. Sem a construção teórica seria mais fácil.

Um dia, rompeu com seus ideais. Assumiu-se como alguém possessivo, capaz de sofrer por alguém, ao mesmo tempo egoísta e sujeito a deprimir-se com um simples telefonema não atendido... Rompeu com seu discurso. Para alguns amigos, desmoralizou-se. Para si, finalmente, viveu!