quarta-feira, dezembro 30, 2009

Vida 4

O último dia na Université não foi menos doce.

Vida era enlouquecida pelas aulas de sociologia. Era o seu espaço para apimentar as discussões trazidas pelo sempre misterioso Monsieur Gérard. Ali, colocava o molho sulamericano na discussão de pretensa propriedade européia. Sentia-se feliz. Monsieur Gérard, por trás dos óculos, do cavanhaque tipicamente francês e do sorriso enigmático, em um misto de divertimento e surpresa, estimulava sua participação.

Naquela aula, aproveitou para informar a todos que decidira viajar uma semana antes do término do curso, na verdade, no dia seguinte.

Stelios, Klaus e Nina resolveram que naquela noite, então, iriam fazer a festa de despedida de Vida. A notícia se espalhou entre os alunos, professores e funcionários da Université. Haveria muita gente para abraçá-la. Sem dúvida, muitos gostavam dela. Mas não era unanimidade...

terça-feira, dezembro 15, 2009

O fim do ano, os nomes e os sorrisos!

Termina o ano; voando como sempre. Dezembro não passa, passou.

Quando nos damos conta estamos em uma fila interminável em alguma loja ou Shopping Center esperando para pagar por algo que nem lembramos bem o que ou para quem seja.

Vasculho a sacola e vejo o que comprei... Para quem é isso mesmo??? Ah sim, para a minha prima, que nunca vejo, mas que lembro no Natal.
Eramos muito apegados na infância. Naquela parte da vida que criamos laços de papel, feitos para que se rasguem ou amarelem no tempo. Poucos são os vínculos de infância que perpassam as rugas, as dores nas costas e a perda de cabelos... embora eu tenha perdido os meus bem cedo.

Já é o terceiro Natal que recordo comprar algo para ela e, curiosamente, não me lembro de ter entregue nenhum dos presentes...
Será que não entreguei ou não registrei a entrega no meu já diminuto HD de memórias.

Aliás, ando perdendo nomes.
Sim. Há alguns meses tenho perdido nomes; encontro pessoas que me chamam pelo nome, olho, reconheço, mas o nome... todos deviam usar crachá, é tão mais fácil.

Hoje mesmo fui visitar um amigo em uma empresa e encontrei um conhecido; um dos que perdi o nome em alguma gaveta entulhada de Mnemoisine. Ele trabalhava lá e eu nem imaginava, estava no elevador que eu entrei quando o meu olhar magnetizado por crachás já me autorizou a exclamar: - Luiz, há quanto tempo!!!

Ele sorriu e conversamos aquele velho papo de quem não se vê há muito, que não agrega nada para as nossas vidas e cujo conteúdo se perde no passar de mais três ou quatro andares, mas não importa, valem os sorrisos sinceros.

São eles que exigem o nosso contato com os outros e, de certa forma, viciam a nossa necessidade de manutenção das relações sociais. Aliás, minha prima tinha um lindo sorriso.

Um dia, talvez, as câmeras que vigiam a nossa cidade tirarão fotos quando qualquer pessoa sorrir. Quem sabe, não existirá mais noite, só flashes... daí para sempre!

quinta-feira, novembro 26, 2009

Vida 3

A viagem para aprimorar o seu domínio sobre a língua francesa na Université de Caen Basse-Normandie tinha cumprido o objetivo. Tinha saudade das coisas do Brasil, mas antes de retornar sentia a necessidade de viajar um pouco. Sua inquietação pelo desconhecido se representava por um frio permanente na barriga. Tinha ganas de tornar próximo o que parecia tão alheio.
Tomou o desjejum, escovou os dentes no banheiro coberto por pastilhas de porcelana verdes e brancas, vestiu-se lindamente, como de hábito, e saiu. O curso ficava a quase duas horas de sua casa. Tinha necessidade de estar perto do mar e, por isso, morava longe de Caen. Precisava, às seis horas de cada dia, ao acordar, sentir a brisa e o cheiro da maresia. Aquilo lhe energizava. Era dela dependente.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Vida 2 (continuação)

Som alto, jornal aberto sobre a mesa da copa e duas torradas de pão de centeio com cottage e mel, como seu pai costumava fazer desde os tempos em que escalava a cadeira forrada com veludo marrom da sala de jantar e ajoelhava-se para, não só alcançar o que lhe ofereciam, mas, principalmente, para melhor participar do café da manhã e pegar o que nem sempre lhe era permitido. Desde pequena, comandava a mesa.
Tinha mais de vinte e menos de trinta, mas pouco importava a sua idade, ao menos ninguém perguntava, pois sua luz era própria de quem ultrapassa o tempo sem vínculos necessários com ele.
Havia alguns anos que estava longe de casa, de seus pais e de seu país. A vista do mar de Le Moularderie, embora bela, trazia lembranças de casa e seus olhos, insistentes em refletir o mar, às vezes a traíam com uma gota salgada.
Talvez já fosse a hora de voltar.

A Viagem

A tarde se despedia silenciosamente, quando Vicente se deixou cair sobre a lívida colcha de linho. Enfim, sua cama macia no seu horário preferido para o cochilo. Deitou como sempre, com os pés para fora. E adormeceu.

Passada uma hora, acordou num salto. Como esquecera? Iria visitar sua tia-avó, Osmilda. Tinha passagem comprada para a cidade de Rosário do Sul; naquela noite, no ônibus das 10. Procurou o seu relógio e percebeu que ainda tinha trinta minutos para chegar à rodoviária. Pegou a sua velha mochila verde-oliva, com uma pequena bandeira de Cuba costurada à mão, colocou nela o que viu de roupas pela frente, algo para o calor e outro tanto para o frio, e dois livros: “O Estrangeiro” e “O amor nos tempos do cólera”. Correu, desceu as escadas e saiu para a rua. Sentiu uma brisa quente e de odor forte; pensou: "- O vento está de leste!" Entrou em um táxi e, na tradicional conversa de amenidades com o motorista, soube que um forte temporal se aproximava. Ao menos, era a informação prestada por Cléo Kuhn, o que poderia ser considerada uma verdade “meteorologicamente” absoluta.

Na velha rodoviária, entrou no ônibus faltando três minutos para a saída. Sentou-se e na poltrona 13 e pensou: "- Dei sorte, vou sozinho!" Ilusão. Mais um minuto e ingressou no ônibus seu colega de assento. O dono da janela. Após iniciar a viagem, percebeu em uma das poltronas do outro lado do corredor um sujeito de cabelos quase que totalmente brancos e crespos, orelhas grandes assim como o nariz, que cobria parte de um bigode ainda mais alvo que os cabelos. Chamou-lhe a atenção que aquele homem sorria o tempo todo. Mas era um sorriso triste; viam-se os dentes, sim, porém parecia que sorria pedindo desculpas. Percebeu que eram os olhos. Eles é que, na verdade, não acompanhavam a alegria da boca. O sujeito vestia um terno de linho branco e trazia consigo uma gaiola com um pássaro, um louro. Ao seu lado, um sujeito de sobretudo preto, cabelos cor de corvo penteados com gel, para trás, com um cigarro na boca, olhava com a sobrancelha arqueada para o animal que parecia balbuciar algo aparentemente incompreensível.

Com o balanço do ônibus, Vicente adormeceu novamente...

Acordou com o som de uma ruidosa gargalhada. Enquanto adormecera, o dono da janela, um sujeito que aparentemente se esforçava para fazer a sua barba crescer, por mais que as falhas de sua pele se negassem a aceitá-la, começou a conversar com o dono do louro e o homem do cigarro, e rira quando o último dissera que “o homem é a única criatura que se recusa a ser o que é!” Vicente resolveu tentar interagir, mas era difícil. O dono da janela, que agora usava uma boina vermelha, e o do louro dialogavam num castelhano confuso. O do cigarro tinha um forte sotaque que, ao mesmo tempo em que parecia, revelava não ser francês. Ao menos não puro. E o louro, este sim, só francês. Vicente falava, mas eles não lhe respondiam. Parecia transparente. Resolveu verificar se não estava usando o relógio do “Gemini Man”. Era como se não existisse. Ninguém, absolutamente ninguém, fora de casa, lhe dava atenção. Mexeu nos bolsos e encontrou o seu canivete suíço, abriu e fechou as lâminas algumas vezes.

Finalmente, o ônibus chegou. Desceu na rodoviária e se dirigiu à casa de sua tia Osmilda. Cento e quatro anos. Fora quase freira na Argentina. Morou na Calle Cabrera, em Palermo, onde hoje há uma excelente parrilla denominada, de forma não muito criativa, “La Cabrera”, e carrega até hoje o sotaque portenho. Sentou na sala e iniciou a “charla” com a tia, que lhe contou que aguardava a visita de mais três sobrinhos que ele não conhecia. Rapazes brilhantes, inteligentes e muito respeitados: Alberto, Gabriel e Ernesto. Todos eles, segundo ela, muito diferentes de Vicente.

O tempo passava e na sala apenas os dois. O dia amanhecia enquanto o sono o embebedava. Quando acordou, Vicente tinha sangue nas mãos. Correu para o espelho e viu que sua orelha sangrava. Já passava do meio-dia.

* Exercício da Oficina de imitação de estilo, promovida pelo Prof. Luis Augusto Fischer, no Studio Clio, a partir do texto "O Sul", de Jorge Luis Borges.

Um compositor de palavras

Nos último anos os compositores de palavras perderam sua importância. Se antes eram os donos das palavras, hoje estão mudos. Foram esquecidos pelo tempo. Falo dos tipógrafos. Houve uma época em que a notícia era menos instantânea, podia ser saboreada antes de se transformar em domínio público. E quem detinha o poder de saboreá-la era aquele homem que, com uma destreza luminosa, selecionava as letras responsáveis por contar a todos as informações doces ou ácidas levadas pelo jornal.


Naquele tempo, aliás, havia jornais matutinos e vespertinos. A sede de informação era grande e o prazer no manuseio do papel jornal acompanhado de um bom café era compartilhado pela maioria das pessoas. Mais tarde veio a televisão e, aos poucos, o fascínio pelos impressos diminuiu em medida inversamente proporcional ao desenvolvimento tecnológico e à velocidade da notícia.


O tipógrafo fez fama em um tempo em que se dava valor ao revisor. Vários escritores que mais tarde seriam famosos e respeitados emprestaras seu tempo à correção de equívocos derivados da falta de intimidade de um ou outro repórter com a língua portuguesa. Hoje, da mesma forma, não existem mais revisores. Ao menos é o que parece. De volta ao compositor de palavras, ele desempenhava a sua atividade com dedicação e alegria. Desde cedo limpava e organizava os tipos. Desenvolvera uma técnica de distribuição a partir da maior ou menor utilização das letras. Sabia que a letra “a” era utilizada vinte vezes mais que o “u”; assim como a quantidade de “bês” sempres corresponderia à exatamente a metade, nem mais, nem menos, dos “tês” utilizados em uma edição do jornal. Ninguém era capaz de aprontar a impressão da matriz mais rapidamente que ele. Era imbatível! Ou quase!


Sua destreza não contava com o advento e popularização da informática. Na verdade, zombava daqueles colegas de profissão que aparentavam temor diante da ameaça do que denominava de “tecnotolíces”. Hoje, mora no museu. Divide a mesma sala com um operador de telégrafo, um fabricante de carburadores e três mosqueteiros.


*Exercício da Oficina de Imitação de estilo oferecida pelo Prof. Luís Augusto Fischer, no Studio Clio, referente ao texto “Um artista da fome”, de Franz Kafka.

terça-feira, outubro 13, 2009

Vida

Vida acordou, viu o Sol e sorriu. Ou será que foi o Sol que acordou, viu Vida e sorriu? Pouco importa. O dia sempre começava assim: leve, suave, com um perfume fresco no ar... magicamente iluminado.
Nas pontas dos pés, Vida caminhava para a cozinha, balançava os cabelos e os braços docemente enquanto preparava o café. Os cabelos loiros e lisos, em um emaranhado bonito, caíam sobre seus ombros e teciam um novo bordado na camisola branca de algodão. Enquanto isso, seu pequeno pé coçava delicadamente às costas de sua canela. Só por mania...
As sombras dos móveis da casa ainda eram longas, mas seu dia já começara. Por quê? Porque era assim. Vida precisava de ritmo. De música. Para isso é que vivia, para sentir-se bem.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Por trás da lei.


Amanheceu cinza. Denso. Onofre chegara cedo. Vestiu a casaca vermelha com botões dourados, as calças pretas e o distintivo que lhe dava a importância que, enquanto fulano, nunca tivera.

Duílio esperava na fila desde os primeiros sopros do dia. Da brisa úmida e quente. Pesada. Após algumas horas em pé, na fila, chegara a sua vez. Trazia consigo um travesseiro.


Onofre perguntou o nome do preso e a pena. Duílio respondeu: Victor. Perpétua... Era a primeira vez que se dirigia ao presídio após seu filho, Victor, ter sido condenado a passar o resto da vida gradeado.

- O que trazes?

– Um travesseiro.

Onofre examinou o presente. Sorriu e negou-se a receber. Chamou o próximo. Duílio, cabisbaixo, se foi.


O inverno se iniciava e, na semana seguinte, lá estava ele, na fila, Com um cobertor sobre seu ombro esquerdo. Pretendia aquecer o seu filho. Quando chegou a sua vez, Onofre perguntou:

- Nome do Preso e Pena?

Duílio respondeu novamente. Questionado acerca do que trazia, apresentou o cobertor. Onofre olhou, verificou a qualidade, sorriu, mais uma vez negou-se a receber e chamou o próximo.


Toda semana, o mesmo roteiro com o mesmo final. Somente o que trazia para Victor variava: frutas, roupas, pão, vinho, livros, óculos para a miopia... Anos passaram.


A vida de Duílio se diluía na espera e nas infrutíferas tentativas. Um dia, após mais uma negativa de Onofre, já fraco e velho, caiu. O algoz foi ao seu auxílio e perguntou se podia fazer algo. Em seu último suspiro, perguntou:

- Por que em todos estes anos de prisão, nunca, nada do que eu trouxe para o meu filho, deixaste entrar?

– Porque tudo o que trouxeste era digno.

*Exercício da Oficina de Imitação de estilo oferecida pelo Prof. Luís Augusto Fischer, no Studio Clio, referente ao texto “Diante da Lei”, de Franz Kafka.

Luzes que fitam.

Não sei bem ao certo o que significa Inmax. Talvez seja um nome, uma sigla, uma abreviação, conjugação de palavras ou um termo técnico. Na verdade, pouco se me dá, pois apesar de ignorante em relação ao seu significado, observo o que ele me representa. Significa a permanência.


Feito de plástico branco, retangular, pouco mais de 20cm de altura por 30 de largura, em seu centro se apresenta uma tela. O que ela exporta é o que me importa e o que expõe me expõe. Internamente! Na tela uma luz vermelha traça os batimentos de um coração abatido por um misto de tempo e fragilidade genética. Outra luz, verde, traduz a oxigenação de um sangue enfumaçado.


As luzes do Inmax oscilam e alternam-se na medida em que mais presto atenção nelas, parecem seguir a impaciência do meu olhar. Riem e conversam entre si. Zombam da minha agonia e impotência. Mas, ao que parece, só eu as noto. Ninguém na sala dá muita bola para elas. Com suas máscaras, os médicos conversam entre si e ignoram o que acontece na tela que me perturba. Eu os perturbo.


Mesmo entorpecido pelos anestésicos, não esqueço de Inmax e suas luzes travessas. Aliás, continuo a repará-las. Pois estão lá, e quanto mais alegres, melhor para mim...


A maior arte de Inmax se dá quando suas luzes, parecendo cansadas, resolvem parar de se mover e se transformam em duas linhas perfeitamente retas. Não satisfeito com a linearidade visual, Inmax ainda é cruel a ponto de fazer soar um sinal agudo, contínuo e mortalmente irritante, como se algo de grave estivesse de fato acontecendo.


O que de certo modo me conforta é que, um dia, Inmax também ficará obsoleto.


*Exercício da Oficina de Imitação de estilo oferecida pelo Prof. Luís Augusto Fischer, no Studio Clio, referente ao texto “A preocupação do pai de familia”, de Franz Kafka.

sexta-feira, agosto 14, 2009

Passos que olham.

Há três dias, o fantástico de uma experiência singela e prazerosa me deixou pleno de satisfação.
Pode parecer estranho, mas, simplesmente... caminhei.

Após uma reunião, à qual fora de táxi para não me atrasar ainda mais, resolvi retornar à pé, ou melhor, ir saboreando os meus próprios passos em direção aos meus últimos destinos que aquele dia me reservava.

Fazia frio, iniciava a noite, mas, agasalhado, a sensação do frio no rosto rejuvenescia, energizava-me a cada metro de asfalto, cimento ou pedra que ganhava. Foram uns 2 ou 3 km apenas, mas que muito significam quando não se tem por objetivo fazer exercício ou chegar correndo a algum lugar, mas sim, sentir a cidade. Sim, é isso!

Pela sola dos pés percebe-se o bater do coração vivo da cidade! Sua pulsação... ora intensa, ora tranquila, arritimia e desritimia... mas, fundamentalmente, ritmo... sua musicalidade...

Sem saber, sentia falta daquele tipo de passeio... descompromissado, com tempo, com a possibilidade de perceber detalhes de uma rua que passo seguidamente... tão seguidamente a ponto de vulgarizar a sua existência e não percebê-la. Sim, nossos olhos se esquecem do que sempre veem. Recordo-me do "Paixão de Cristo", de Mel Gibsom, que, de tão violento desde o seu início, leva-nos a deixar de perceber a crueldade humana após dez minutos de exposição.

A velocidade dos nossos compromissos nos impede de olhar, olhar de verdade, de perceber. De notar. E como é belo poder notar!

Pretendo praticar mais!!!

terça-feira, junho 30, 2009

Fazenda da Quietude

O vento dos Campos de Cima da Serra envolvem o andarilho de um misto de frio e aconchego. Próximo a uma sanga, uma mula parada. Ao seu pé um ébrio cochila a pouco se importar com o frio. Faz tempo que está lá.

A cavalgada segue, em meio a campos amarelos, limitados pela aspereza oposta das pedras dos cânions onde nasce uma cascata de pedras negras. A água cristalina lentamente cai.

A vista é ímpar. O silêncio também. Até o vento respeita o nome daquele lugar... Fazenda da Quietude.

Quietude que se basta para limpar a cabeça daqueles que lá aportam, que preenche com novas energias o coração cansado do cavaleiro da armadura de lã.

Mais alguns metros e chegamos à sede, onde o crepitar do fogo da lareira descongela os pés e assa um saboroso carré de ovelha.

Fogão à lenha, tapetes de couro e um chapéu gaudério pendurado. As janelas encarnadas contrastam com o verde da mata nativa... lá no meio desponta uma Araucária...

O lampeão de gás denuncia que a luz elétrica ainda não passa por ali...

Paz!

sábado, junho 06, 2009

Que venha o frio...

O alegre estalar da lenha anuncia uma nova imagem do dia: o fogo cada vez mais perto e mais presente no cotidianho. Crianças brincam sentadas no tapete, próximas entre si e à lareira. O pinhão recém saído da panela de pressão estampa sorrisos nos rostos dos pequenos.

Pés com meias fofas esfregam-se enquanto as mãos frágeis e ainda inseguras torcem e inventam novas modelagens às massinhas hoje atóxicas.

Não longe, adultos sentados à mesa ensaiam um carteado. Cartas, hoje plásticas, refletem a luz e por pouco não se reproduzem no sorriso daquele mais abençoado pela sorte. Vinho tinto, pipocas... é junho.

O triste estalar do dendes que se chocam, o queixo trêmulo e os dedos gélidos anunciam uma nova dor: a dor do frio. Sentadas ao chão, pequenas crianças, muito próximas, procuram no corpo das outras o calor que lhes falta.

Pézinhos descalços e sujos esfregam-se enquanto a imaginação procura aquecê-los... Próxima, a cola tóxica.

Perto, adultos em caixas de papelão conversam e riem como se o frio e as dificuldades de uma vida acre não existissem. Superam momentaneamente. A cachaça ajuda... é... é junho.

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Sobre tropeços e sapatos...

Quando tropeçamos em nossos próprios pés nos sentimos mal e a nossa vontade inicial é ficarmos sentados; às vezes, deitados, em posição fetal, esperando que algo nos acolha e nos encha de carinho. Porém, se ficarmos assim, morreremos de inanição, pois cabe exclusivamente a nós sustentarmos as nossas próprias cabeças (interna e externamente).

Olhar pra frente e não nos darmos por vencidos, manter a indignação no olhar, na voz, na sobrancelha, fazem parte do papel exclusivo do nosso personagem e constituem estímulos fundamentais para olharmos melhor para os pés antes de caminharmos rapidamente.

Uma vez, Flávio Tavares perguntou ao Che Guevara qual era a coisa mais importante para um soldado. O revolucionário respondeu, os sapatos (sem estar bem calçado o soldado não tem forças para combater). Ironicamente, quando foi morto, na Bolívia, estava descalço.

Essa frase de Che é importante, de certa forma, como metáfora para a vida, devemos olhar o nosso caminho e ver se nossos pés estão bem protegidos.

Às vezes nos esquecemos deles e o "nó da gravata" parece mais importante. Eis a primeira regra para não desatarmos os nós da vida.

Assim, a partir do tropeço, o primeiro passo é olhar para os nossos pés, ver o caminho que eles já trilharam e, assim, ter a certeza de que vai se chegar muito longe.

Ficar furioso e chateado é necessário, faz parte do poder de indignação. Que ótimo! É ele que vai te colocar pra frente.

Portanto, esbraveje, grite, exploda e não se esqueça que o mais bonito da vida é a experiência que ganhamos a cada dia. Como sempre digo, não troco meus 36 pelas belezas da vida aos 20 anos. Transforme-se o tropeço em experiência e se verá que temos o mais belo da vida.