segunda-feira, abril 21, 2008

Entre Isabella e a novela ou Pimenta nos olhos dos outros é colírio ou, ainda, Que curiosidade mórbida é essa que nos move?

(a partir de hoje, o blog volta a ter atualização semanal)

Renato Russo, goste-se dele ou não, tinha razão quando escreveu ‘Metrópole’:

- É sangue mesmo, não é mertiolate/ todos querem ver/ E comentar a novidade/ É tão emocionante um acidente de verdade/ Estão todos satisfeitos/ Com o sucesso do desastre/ Vai passar na televisão/ Vai passar na televisão...

Se no início dos anos oitenta era assim, quando a instantaneidade dos meios de comunicação ainda engatinhava, imagine-se no final da primeira década do século XXI. Nossas casas são invadidas, cada vez mais, pela graça da desgraça alheia.

Sob o mito do “dever de informar” se informa o drama que melhor vende, não mais se forma, só informa... deforma... disforme...

E o cotidiano nacional se transformou na sala de estar da casa dos Nardoni, uma família desgraçada por uma tragédia, sejam os adultos responsáveis ou não pelo cruel homicídio. Pouco importa. Sem perceber e muito menos se preocupar com isso, os meios de comunicação condenaram duas crianças a uma sanção perpétua... Cauã e Pietro, os filhos de Alexandre e Anna Carolina foram sentenciados pelo resto de suas vidas a serem os irmãos da menina morta ou, como provavelmente restará decidido pelo Tribunal do Júri, os filhos de um “casal de assassinos” – não se adentra aqui sequer na questão jurídica, já que, frente aos “laudos secretos publicados com exclusividade”, discordo da “solução” apresentada por “especialistas” de plantão.

Confesso que tentei fugir ao máximo do tema Isabella, mas não consegui. Mas tenho outro enfoque – aliás, em relação a um terceiro olhar, indico www.atristeutopia.blogspot.com, de Leonardo Mendes.

Até que ponto necessitamos do espetáculo na vida alheia para preenchermos o vazio das nossas? Pouco importa o quão triste seja o tema da trama, o que arde nos olhos alheios não nos preocupa, ou será que as lágrimas que caem de nossos não são uma forma de aliviarmos a nossa própria culpa? Ou, será que passaremos a noite em claro pensando em Isabella e na angústia dos familiares e, porque não, dos acusados? Certamente, ficaremos alguns dias sem comer.

Que vazio é esse que nos leva a encontrar sentido somente na conversa sobre a vida dos outros? É o mesmo vazio que faz do Big brother um campeão de ligações telefônicas. A “novela das oito”, independentemente do horário, deixou de ser imbatível, pois a distração, o entretenimento, passou a ser mais interessante se os fatos são reais, pouco importando quão perniciosa tal exposição possa ser para os envolvidos.

As vidas carecem de sentido, de densidade, de conteúdo... fala-se sobre gente, só isso... a People oferece 8 milhões de dólares para ter exclusividade nas primeiras fotos dos gêmeos (provavelmente lindos) do casal Jolie/Pitt. Faturarão quatro vezes isso em vendagem de revistas com tal chamariz.

A idéias desfalecem em um mundo de personagens em que não se busca mais o conteúdo. Quem não sabe de quem é este ou aquele rosto famoso – do desgraçado ou do iluminado pela fama – não pertence à “realidade”: - em que mundo você vive?

Outros momentos da história assistiram a perda do conteúdo, melhor definido como valor (Roma foi um valor), mas não por muito tempo. Não, não estou falando do preço de capa...