sexta-feira, setembro 16, 2011

Criminologia e Rock, um diálogo necessário.


(Artigo publicado no "Estado de Direito" há alguns meses)


O rock é mais do que um ritmo ou uma forma de construção musical. De origem negra, a partir da "miscigenação" cultural necessária para que pudesse ser aceito pela sociedade norte-americana tornou-se campo plural de produção cultural e um meio de questionamento ao status quo social posto, à intolerância, assumindo o papel de voz da diferença.

Se formos às origens da música negra daquele país, perceberemos no DNA do rock o seu olhar crítico indignado. Os escravos cantavam nas plantações do sul dos Estados Unidos como forma de aplacar a sua dor, de questionar valores e até como forma de comunicação entre si, a evitar a percepção dos tomadores de seu trabalho. Desses cânticos se forja uma nova forma de música; de lá vem o blues e o rhythm-and-blues e o jazz.

O rock, portanto, nasce à margem, ou melhor, vem da margem da sociedade. Da porção de excluídos.

A Criminologia, a partir da inversão ou da ampliação do objeto de análise, com a consolidação do paradigma da reação social frente ao etiológico, tem o dever, portanto de perceber como se exprimem na arte - espaço de deságue da sensibilidade e das sensações humanas - as manifestações culturais marginais, até onde se colocam e como as agências de controle, oficiais ou não, se portam frente a ela.

Cada vez mais fica difícil definir musicalmente o rock. Não há um compasso específico, notas rígidas ou temas que sejam previamente classificados ou não como tal. Trata-se de um conceito musical aberto. Chuck Berry e Jerry Lee Lewis eram rock, Elvis foi rock, Beatles, Rolling Stones, Led Zepelin e Pink Floyd foram rock, assim como Kiss, Van Hallen e Areosmith, Nirvana, Oasis e Guns'n Roses; tal qual R.E.M., Linkin' Park, King's of Leon e Radiohead são Rock.

Da mesma forma, no campo da Criminologia pode-se afirmar que ela não é mais dotada de uma definição específica. São abertos seu conceito, conteúdo e enfoque. Lombroso era criminólogo tal qual Alessandro Baratta o era. Opostos dentro de um mesmo rótulo. Diferentes na mesma caixa.

Sequer pode se ter a certeza de que quando falamos de Criminologia estamos analisando algo que faz parte do mundo do direito, embora os currículos das Faculdades nos digam que sim.

O curioso ou trágico é que o Direito, ao mesmo tempo em que se intitula uma ciência cultural, por sua prepotência e arrogância se nega, rotineiramente, a abrir os olhos às manifestações artísticas.

O "profissional do direto" esqueceu-se da sua condição de hermeneuta e passou a ser um intérprete gramatical, sob a falácia de que a resposta “está na lei”. Assim, cegou-se e ensurdeceu. O verdadeiro intérprete apreende e compreende o conteúdo da norma a partir da realidade social que se apresenta. O Direito da rua nasce antes do Direito “da lei”.

Por isso, quando se fala em Criminologia, tal qual as Universidades Norte-americanas colocam, ela se situa muito mais no campo da sociologia e da antropologia do que do direito penal e processual penal propriamente ditos, pois exige o olhar para além das bibliotecas.

Assim, optei nesse breve escrito trazer, exemplificativamente, um pouco do conteúdo das reivindicações que permeiam o rock mundial e que, demonstram um objeto rico a ser estudado e vivido no sentido de luta pela superação dos preconceitos, das diferenças ou de crítica à atuação das instituições que formam o Estado. O rock é uma metralhadora giratória contra as agências de controle.

“A quem estamos enganando? (...) O coração partido de outra mãe é levado quando a violência silencia. Devemos estar equivocados, é o mesmo tema desde 1916 na sua cabeça, na sua cabeça eles estão lutando com seus tanques e bombas, ossos e armas... na sua cabeça, eles estão morrendo”. Zombie, do The Cranberries, é um hino contra a violência extremista entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte.

“Eu quero ser a minoria, eu não preciso de sua autoridade, abaixo à moral da maioria, pois eu quero ser a minoria. Eu prometo lealdade ao submundo, uma nação oprimida em que resisto sozinho, um mero rosto na multidão contra o modelo, sem dúvida, excluído, do único jeito que eu sei.” Minority, do Green Day, revela sua irresignação frente a uma moral imposta, negando-se a fazer parte de um grupo que impede o reconhecimento das minorias.

“Agora queremos uma chance de fazer as coisas por nós mesmos. Estamos cansados de bater a nossa cabeça contra a parede e trabalhar para alguém. Somos pessoas, somos como os pássaros e as abelhas. Nos devemos preferir morrer em pé a ficar vivos nos seus joelhos. Grite: eu sou preto e me orgulho.” James Brown não se limitava a feel good, tratou de, por meio do rock, lutar pela igualdade racial.

Não seria possível concluir sem a crítica do System of a Down em relação à monetarização da vida, à vulgarização da morte e à indústria de armas em “Boom!”: Tenho andado por suas ruas, onde se ganha todo o seu dinheiro, onde choram todos os seus prédios e gravatas desinformadas trabalham. Revoltantes casas de gramado falso, abrigando todos os seus medos. Sensibilidade perdida para a TV, exagero de anúncios, Deus do consumo e e todas as suas fotos velhas parecendo boas, efeito dos espelhos. Filtrando informação aos olhos do público. Designado a dar lucro a seu vizinho, que cara. (...) A globalização moderna associada à condenações, morte desnecessária, Corporações da Morte manipulando suas frustrações, com a bandeira cegada, manufaturando consentimento. É o nome do jogo. O importante é o dinheiro, ninguém dá a mínima. 4000 crianças famintas deixam-nos a cada hora: Morrem de fome, enquanto bilhões são gastos em bombas, a criar chuvas de morte.”

O rock, portanto, como manifestação cultural originária da margem e engajada em desmascarar as “verdades” postas se constitui em espaço riquíssimo para o olhar criminológico, uma vez que denuncia de forma artística e pulsante a forma como, no cotidiano, a sociedade, por seus poderes instituídos ou não, patrocina um mundo mais preconceituoso, desigual e violento.