quinta-feira, setembro 16, 2010
Fundamentalismo laico ou E 68 se foi...
A França é o território onde se encontrava uma pequena aldeia de intrépidos Gauleses. Asterix e Obelix divertiam-se ao manter a independência e a cultura de seu povo em meio a um opressor exército de loucos romanos.
Fora da ficção, foi lá que floresceu o iluminismo e as bases do Estado de Direito ocidental. Lá é a casa da secularização, da tolerância (sem trocadilhos nem espartilhos com o Moulin Rouge).
Os movimentos contraculturais encontraram seu estuário em Paris, em maio de 68. Lá se estabelecia a reivindicação estudantil de valores hoje tão intrínsecos de nossa sociedade XXI, ecologia, pacifismo, liberdade sexual, anti-autoritarismo, igualdade de direitos independentemente de gênero ou raça. Em resumo: era proibido proibir (défense d'interdire).
Dia 14 de setembro de 2010, a Assembleia Nacional, por 246 votos a 1, proibiu "a dissimulação do rosto em espaço público". O alvo da lei não é o mímico de rua parisiense que pinta o rosto dissimulando-o no espaço público, mas sim as muçulmanas que vestem o "niqab" (da foto) ou a "burca".
Obviamente que não defendo o uso de tais vestimentas pelas mulheres, mas advogo sem dúvida em favor da liberdade de pensamento, de expressão e de religião. O estado laico tem por característica evitar a imposição religiosa ao cidadãos. Contudo, contraria seus postulados básicos de liberdade impedir a manifestação da liberdade religiosa.
A proibição imposta às muçulmanas consiste no mesmo que proibir a utilização de crucifixos pelos cristãos ou de kipá pelos judeus em lugares públicos. Para muitas mulheres muçulmanas residentes na França, faz parte do respeito aos ditames de sua religião cobrir os cabelos e o rosto. Estima-se que duas mil mulheres usem tais vestes na França.
O fundamentalismo laico, sob a roupagem de uma norma de segurança ou de proteção de direitos da mulher, inverte o eixo de perversidade e impõe a neutralização religiosa. Voltaire revira-se no Pantheón de Paris, onde está enterrado. Não há tolerância no fundamentalismo laico.
O parlamento francês e os que apóiam tal decisão contrariam a história da França, o mito da liberdade - a Marianne semi-nua empunhando a bandeira bleu-blanc-rouge seguida pela multidão na luta pela liberdade, hoje se encontra moribunda às margens do rio Sena... e nem Paris existe mais...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário