terça-feira, dezembro 18, 2007

Entorpecidos de vida ou Do vício

O desafio da vida é o de vivê-la intensamente... o ressuscitado carpe diem de Sociedade dos Poetas Mortos. Ir à floresta para sugar a essência da vida, expulsar e deixar apodrecer o que não é vida, para não correr o risco de, ao morrer, descobrir que de fato não vivi... a frase adaptada de Henry David Thoreau[1], o mesmo do importante texto Desobediência Civil, talvez seja uma bela missão de vida.

Dessa provocação defronta-se com o vício pela vida ou por aquilo que nos circunda, pelo nosso entorno, o nosso microcosmo – por mais macro que tentemos transformá-lo. Pessoas, animais, livros, músicas, práticas esportivas, entorpecem a nossa vida de sentido. Adoçam o cotidiano. Fazem-nos sentir mais vivos, mais nós mesmos. Paradoxalmente, às vezes, nos possibilitam fugir de nossa rotina, como se um universo paralelo de refúgio mental se abrisse a cada momento, aliviando o peso das atividades costumeiras, como uma busca permanente daquilo que de fato somos, da nossa essência.

É justamente da confrontação de nossas atividades rotineiras com tais momentos que emerge a tensão da necessidade de satisfação do vício pela vida o que, para que esta possa fazer sentido, implica, necessariamente, em buscar que cada dia seja superado em satisfação, em ganho pessoal, em experiência, em prazer, em sentir-se bem, pelo de amanhã.

Não se trata de uma busca histérica de aproveitar melhor fisicamente o dia, mas de fazê-lo valer mais. Atribuir às práticas ativas, de reflexão ou de contemplação maior valor para que, necessariamente, tragam maior prazer. É poder conviver com pessoas, atividades, situações, objetos que afastem a sensação de que falta algo, que erradiquem a possibilidade de sensação de um espaço vazio, mínimo que seja.

Quando percebemos tais espaços insípidos, significa que nossos vícios pela vida estão pulsando e nosso dever conosco, para não corrermos o risco de não termos vivido é de sugá-los e, por conseqüência, deliberadamente, viver.
______________
[1] "I went to the woods because/I wanted to live deliberately./I wanted to live deep/and suck out all the marrow of life/ To put to rout all that was not life,/and not, when I had come to die,/discover that I had not lived.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Acorrentados ou Celebridades


Dia 03 de dezembro, Palhoça, região metropolitana de Florianópolis: a imprensa, subitamente comovida com a situação carcerária brasileira, caótica há mais de duas décadas, flagra presos acorrentados em frente à Delegacia de Polícia. Sim, um município do sul do Brasil, em Santa Catarina, “uma terra de mil jeitos. Jeitos de natureza e jeitos humanos” – ao menos é o que diz o site (www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/turismo/contrastes/index.html).

O Estado do “quarto maior” parque industrial do país acorrenta seus presos na rua. Como bichos. O fato, segundo a notícia, tragicomicamente, é festejado pelos próprios acorrentados, celebridades da desgraça. Qual a razão de tal bizarra alegria? Lá dentro, em uma cela para QUATRO pessoas, DEZESSETE presos se amontoam, dividem espaço, mau cheiro, um vaso sanitário, tuberculose, pulgas, sarna, vidas e desventuras.

Em toda a grande Florianópolis estima-se que 250 pessoas estão presas em delegacias. O que se explica haja vista a miserabilidade do estado catarinense: que não exporta, que não tem turismo, que não tem indústrias... Claro que se tal fato ocorresse no interior do Piauí seria caso de preocupação. Mas naquela terra, pela prosperidade, penso ser muito difícil haver lotação de delegacias ou cabresto de presos. Inevitável. Para tratar do assunto, somente com doses de raiva ou de ironia.

Em 1998, a ONG Humans Rights Watch publicou um relatório denominado “Brasil atrás das grades”. Tratava-se de uma pesquisa realizada em 1997 e 1998 por Joanne Mariner, em co-autoria com James Cavallaro, que teve por objeto a análise in loco de quarenta estabelecimentos penitenciários, nos estados do Amazonas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasilia-DF.

E há quase dez anos, a anamnese carcerária levou ao diagnóstico de que o Brasil descumpre a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que nestas ou em outras palavras ditam que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. O Brasil é ilegal!


Porém, Delegados, Promotores e Juízes, em sua maioria, afirmam que não lhes resta alternativa, já que “a lei deve ser cumprida”. Se o sujeito furtou, deve ser preso, afinal, o Código Penal prevê pena de um a quatro anos para quem pratica tal espécie de delito! E aí, vem à lembrança uma música de Raul Seixas (Ouro de Tolo), em que ensina:


“E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial,
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social”


Perfeito!! Sob o discurso da legalidade nega-se a própria legalidade do Estado. Ou seja, o cumprimento da lei é exigido apenas do indivíduo. Poucas vezes se exige do próprio Estado o respeito às leis. Quando a prisão não tem condições de “hospedar” em condições minimamente adequadas à dignidade do sujeito, não pode “abrigar” o indivíduo. O Estado não aprendeu que pela redução da população carcerária resolve-se o problema da superlotação e o executivo economiza seus gastos com prisões.

Então, “respeita-se a lei” encaminhando um infeliz ao cárcere pelo “perigosíssimo” delito de tentativa de furto de um telefone celular e nega-se a ele condições mínimas de dignidade. Certamente, a danosidade social gerada pelo furto tentado deve justificar tal atrocidade. Atrocidades estatais denunciadas já por Marat. O revolucionário francês denunciava o poder estatal como um mal em si mesmo, predestinado à violação dos direitos naturais.

Um Estado que desrespeita a lei está condenado ao descaso de seu povo com a legalidade. Marat, mais uma vez, afirma que o Estado deve cumprir suas obrigações sociais para que os indivíduos respeitem as limitações legais. O respeito à dignidade humana é uma obrigação social do Estado, positivada nos Tratados e na Constituição, aliás, é em torno desse conceito que ela se fundamenta.

Finalizando, já peço desculpas pelo mau humor, mas já que se falou em Raul Seixas, talvez outra estrofe da mesma música sirva para que nos compreendamos melhor:

"É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal!!!!

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Entre sonhos e pesadelos ou da saúde mental.


A noite chega e o relógio sinaliza: ou corre-se para a cama, ou o dia seguinte começará com a dolorosa sensação de que o nosso corpo está pesado demais para se erguer. Estranho. Ao mesmo tempo em que dormir parece uma perda de tempo, não queremos nos desvencilhar do estar alheio ao mundo, ou melhor, estar vivendo o mundo dos sonhos.

Só eles explicam a nossa necessidade de dormir mais do que o tempo biologicamente necessário à recomposição física. A dificuldade de enfrentar a gravidade em pé.

Quantas vezes buscamos desesperadamente voltar ao mundo dos sonhos para, da primeira fila de um cinema particular, assistir qual o final traçado pelo nosso roteirista inconsciente naquela história perdida. Às vezes até conseguimos. Será que conseguimos?

Um amigo tabagista havia conseguido livrar-se do vício. Fazia seis meses que suas aflições, angústias e prazer não eram incandescidas pela rouca brasa do cigarro. Certa noite, via-se, no sonho, em um lugar paradisíaco. Sentado. Só. A observar aquela linda paisagem e desfrutar do prazer que a nicotina lhe conferia. Subitamente no imaginário, deu-se conta que não fumava mais. Acordou. A sensação de angústia que esmagava o seu peito era brutal. Queria o sonho de volta para sentir o prazer da sensação perdida. As férias do vício acabavam ali. Era dever acender um cigarro, imediatamente.

Assim, nosso inconsciente brinca conosco, sonha-se com pessoas queridas perto de nós, com sujeitos que nunca vimos ou que temos uma relação distante, com fatos aparentemente reais, conectados ou não, com histórias de detalhes sem sentido (ao menos aparente), com situações doces e outras nem tanto. Tal suave brincadeira, contudo, é fundamental para a nossa saúde mental, a fim de que possamos suportar cada vez mais as pressões do cotidiano, para que se possa superar limites, obstáculos e, até, imperativos que o mundo real nos traz.

Cultive o sono e seus sonhos, inclusive os ruins, anote-os. Quando se acorda no meio da noite, suando, é salutar puxar o caderno, a caneta, e escrever o que nos levou a essa sensação. Aliás, se fizéssemos isso mais seguido, teríamos melhores condições de compreender melhor a nós mesmos.

Sonhe muito. Bons sonhos! Ah, mas não se esqueça: não desista de transformar os bons em realidade.

sábado, novembro 24, 2007

O último dia ou a colheita de uma plantação mal elaborada.

Nunca a chegada de um aniversário parecera-lhe tão amarga. A marca do charuto permanecia a mesma há 20 anos, seus reflexos, do ano anterior para o atual, não haviam se deteriorado além dos efeitos naturais do tempo. Intelectualmente ainda era admirado por todos pela cultura e raciocínio jurídicos, pela clareza de exposição e poder de síntese. Percebia que as suas circunstâncias não se diferenciavam muito das que lhe rodeavam quando completara 69 anos.

Mas este ano, havia algo mais. O puro cubano parecia mais amargo e, certas vezes, ardia-lhe a garganta. O tempo passava como que em uma velocidade nunca antes alcançada. A caneta e o computador pareciam não serem mais seus amigos, confidentes e companheiros. Sentia-se mais curvado, mais lento, mais áspero, enfim, menos ele. Percebia que sua carteira de identificação profissional apagava-se a cada dia.

De fato, a única mudança em relação à nossa personagem foi o fato de, aos 70 anos, ter chegado o dia de aposentar sua toga. O temido recesso compulsório chegaria em meio à fumaça e o calor das velas, do doce sabor da torta, do macio beijo de sua esposa, da emoção dos filhos e dos gritos, sorrisos, algazarra e brincadeiras dos netos.

Eram 23 horas e 15 minutos da véspera do temível terrível dia. Resolvera fazer um rescaldo de sua vida e percebeu que pouco se recordava da infância, da adolescência e dos seus tempos de faculdade. Sua memória parecia que se iniciava há 41 anos e quinze dias, no dia em que fora aprovado do concurso de ingresso à Magistratura.

Lembrou-se de casos difíceis, em que suas sentenças foram elogiadas pelas cortes superiores; arrolou, também, seus equívocos e percebera que, efetivamente, na maioria destes, a razão não caminhara ao seu lado. Catalogou as suas sentenças mais importantes, atribuindo tal adjetivo às que lhe deram a convicção de que fora instrumento da justiça.

Não esqueceu os colegas que lhe cercaram na vida, dos amigos e dos nem tanto, dos mais jovens e dos mais antigos e lembrou-se de um conselho dado por um antigo membro de “seu” tribunal no dia de sua posse: - Nunca de esqueças que a tua decisão deve ser tomada como se fosse a última! E que entre capa e a última folha dos autos, existem pessoas!

Sempre seguira tais ensinamentos e, por isso, fora um juiz respeitado e, por que não dizer, amado por onde passou. Por um momento, deixou de sentir o vazio e a dor física da separação forçada.

Mas passou por pouco tempo. Logo depois, voltou a sentir com intensidade ainda maior o gosto amargo e aquele buraco em seu estômago. Somava-se a isso a sensação de ter uma bola de golfe entalada na garganta. Mesmo assim, foi dormir.

No dia seguinte, em sessão realizada no “seu” tribunal, entregou a toga e despediu-se da judicatura. À noite, recebeu os netos e familiares que, apesar dos festejos, perceberam que algo havia desaparecido naquele olhar sempre vibrante e indagador...

Aos 73 anos de idade, ao invés de estar prestes a festejar mais um aniversário, via, além de seus familiares, alguns companheiros de judicatura chegarem lenta e silenciosamente ao seu funeral. Aos poucos seus ombros haviam se curvado ainda mais e problemas de saúde, até então prerrogativa de outros, passaram a fazer parte do cotidiano. Após a compulsória, durara pouco mais de três longos e dolorosos anos.

Sua vida tinha perdido sentido. Não decidia mais as pretensões alheias. Os bajuladores de plantão deixaram de reverenciá-lo. Até mesmo sua família procurava-o cada vez menos. Enfim, perdera a sedução, o poder. Atribuiu sua derrocada ao fim obrigatório de sua função jurisdicional.

Como salientado, fora um grande juiz. Porém, julgara mal a sua própria vida. A decadência não veio com a proibição legal de julgar, mas sim, no dia de sua aprovação no concurso. Naquele momento, esquecera quem era e suas origens; de como era bom caminhar na areia e sentir o calor do sol e o carinho da brisa em seu rosto; de sonhar; de ler poesia e de cantar; de falar e rir de tolices, enfim, de levar a vida sem que ela se confundisse com o cargo que desempenhava. Esquecera que a função pública era passageira e que a pompa e a liturgia não eram suas, mas do magistrado que deixara de ser. Confundiu-se com a função, viveu-a intensamente, mas esqueceu que a vida é muito mais que apenas o cargo que se desempenha.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Da agonia da espera ou Algo mais pesado.

Agonia, pelos gregos, era concebida como a luta contra a morte. Talvez nenhum sentimento seja tão próprio do ser humano, tão natural, intrinsecamente atrelado à condição humana. Há algum tempo li Contos de Amor e Morte, de Arthur Schnitzler, o primeiro médico/escritor a explorar o subconsciente na literatura. Ontem, o acaso me fez encontrá-lo novamente – o livro, não Schnitzler, que se foi em 1931.

O segundo conto do livro trata da paixão levada às últimas conseqüências por um poeta que, enamorado pela personagem que ele criara, vem a morrer no momento em que conclui o poema em que ela também se fora. A agonia do narrador e do poeta se confundem, esse na da espera e no medo da perda do amigo, este nos momentos de sofrimento causados pela sua própria pena na sua paixão que, submersa novamente no nada, leva-o junto pela mão.

A agonia da espera é a sensação talvez melhor explorada nos contos em questão e, eu, não só, mas, também, influenciado por eles, resolvi tratar do tema.

A espera e o sentimento que a acompanha sempre foram objeto de desconforto e, de certa forma, dificuldade de aceitação pelo ser humano.

Por qual razão, o avião nem parado está e as pessoas que fizerem um vôo de pouco mais de uma hora levantam-se e acotovelam-se para saírem primeiro da aeronave? Mesmo que ainda tenham que aguardar por dez ou quinze minutos que sua bagagem chegue?

Qual o significado de se olhar repetida e compulsivamente para a tela de um telefone celular em silêncio, enquanto espera-se a consulta médica ou a chamada do número de nossa senha?

Será que apertar mais de uma vez no botão de chamada do elevador fará com que ele chegue mais rápido?

Tudo isso, ao que parece, se relaciona com essa agonia contida na situação da espera. Muitas vezes tal agonia se reflete em situações sem significado, como nas acima citadas, mas, certamente, ali não se congelam. A agonia da espera do reconhecimento profissional, da censura diante de um equívoco, da indefinição do futuro seja a curto, médio ou longo prazo, da espera de um sinal correspondente ao fascínio por outra pessoa, do resultado do exame médico realizado, da espera do diagnóstico adequado ou de um doador compatível, são exemplos mais precisos dessa espécie de dor gerada pela espera e que alteram as nossas reações frente ao mundo e, até mesmo, a compreensão real de seu significado.

Muitas vezes, tal sensação ou sentimento, se não bem tratado e dimensionado pelo sujeito, pode conduzir a caminhos escuros, a labirintos que o impedem visualizar o dia seguinte ou de perceber uma perspectiva mais favorável. Por isso que, comumente, agonia e depressão se confundem, ou uma leva à outra, ou a primeira como um sintoma da segunda. O peso de tal situação pode petrificar o sujeito sem dar-lhe tempo para perceber a dificuldade em que se encontra, retirando-lhe o prazer de usufruir das coisas mais banais e, ao mesmo tempo, mais belas da vida.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Ao lado do caminho do rap blim-blim.

Em tempos em que nossas rádios são bombardeadas pela batida pouco criativa, monótona e enjoativa do "rap blim-blim", onde somente circulam "shake that butt", candy shops, lolypops e murmúrios ao invés de vozes, penso ser necessário trazer uma letra de verdade. De Fito Paez. Uma que fale de coisas que realmente importem ou devam fazer algum sentido além da libido.

Al lado del camino

Me gusta estar al lado del camino
fumando el humo mientras todo pasa
me gusta abrir los ojos y estar vivo
tener que vérmelas con la resaca
entonces navegar se hace preciso
en barcos que se estrellen en la nada
vivir atormentado de sentido
creo que esta, sí, es la parte más pesada

En tiempos donde nadie escucha a nadie
en tiempos donde todos contra todos
en tiempos egoístas y mezquinos
en tiempos donde siempre estamos solos
habrá que declararse incompetente
en todas las materias de mercado
habrá que declararse un inocente
o habrá que ser abyecto y desalmado

Yo ya no pertenezco a ningún "ismo"
me considero vivo y enterrado
yo puse las canciones en tu walkman
el tiempo a mi me puso en otro lado
tendré que hacer lo que es y no debido
tendré que hacer el bien y hacer el daño
no olvides que el perdón es lo divino
y errar a veces suele ser humano.

No es bueno nunca hacerse de enemigos
que no estén a la altura del conflicto
que piensan que hacen una guerra
y se hacen pis encima como chicos
que rondan por siniestros ministerios
haciendo la parodia del artista
que todo lo que brilla en este mundo
tan solo les da caspa y les da envidia.

Yo era un pibe triste y encantado
de Beatles, caña legui y maravillas
los libros, las canciones y los pianos
el cine, las traiciones, los enigmas
mi padre, la cerveza, las pastillas, los misterios, el whisky malo
los óleos, el amor, los escenarios
el hambre, el frio, el crimen, el dinero y mis 10 tías
me hicieron este hombre enreverado.

Si alguna vez me cruzas por la calle
regálame tu beso y no te aflijas
si ves que estoy pensando en otra cosa
no es nada malo, es que pasó una brisa
la brisa de la muerte enamorada
que ronda como un ángel asesino
mas no te asustes, siempre se me pasa
es solo la intuición de mi destino.

Me gusta estar al lado del camino
fumando el humo mientras todo pasa
me gusta regresarme en el olvido
para acordarme en sueños de mi casa
del chico que jugaba a la pelota
del 49585
nadie nos prometió un jardin de rosas
hablamos del peligro de estar vivo.

No vine a divertir a tu familia
mientras el mundo se cae a pedazos
me gusta estar al lado del camino
me gusta sentirte a mi lado
me gusta estar al lado del camino
dormirte cada noche entre mis brazos.

sábado, novembro 03, 2007

Menino invisível

A chuva fina, delicada, salpica cristais que, lentamente, insistem em dificultar a visão por trás do pára-brisa. O ritmo, cadenciado e monótono do limpador, prenuncia mais uma tarde molhada e preguiçosa, sem novidades. Luz vermelha. Pare!

Por entre a fila de veículos, um menino, certamente com uns dez anos de idade, embora com aparência de sete ou oito, com a pele brilhante da água que cai, vende balas de goma. Ou melhor, tenta.

Na parte de dentro, bem nutridos e cheirosos, secos, homens e mulheres, ignoram por completo aquele pequeno sujeito que oferece doces em meio à amargura do tráfego: - Tia, vai uma bala? – Tio, ajuda eu, compra uma balinha!

Resposta: - ... (SILÊNCIO).

Vidros fechados, talvez um aceno negativo, às vezes um olhar. Um “não” raramente se houve; um “muito obrigado” seria motivo de festa.

Olho aquela criança e vejo um sujeito de direitos. Direitos sonegados, é verdade, mas, ao menos, potencialmente. Percebo, porém, que a maioria não vê. Não enxerga a criança. Ignora-o. Não o percebe nem mesmo como um sujeito.

Recordo de um amigo que, morando na aventura européia da mochila, resolveu ganhar alguns euros servindo chope em um show. Ao final, sentiu-se arrasado. Servia a bebida, recebia o dinheiro e ninguém lhe olhava nos olhos. Era um barril ambulante, um objeto, nada mais.

Volto ao menino, o sinal ainda fechado, tal qual as janelas dos carros, tal qual o rosto dos motoristas, tal qual a nossa possibilidade de perceber o outro como ser humano.

Passa o tempo e dez anos depois, o menino, quase homem, ao invés de oferecer doces no sinal, bate na janela oferecendo outras balas. Menos doces, de chumbo. Nesse momento, olhamos para os seus olhos, clamando para que nos poupe a vida, pois, afinal, somos sujeitos de direitos e temos nossos filhos, nossa família para cuidar. Reflito: ele não tem obrigação nenhuma de nos ver assim.

A cada ato em que neutralizamos a existência do outro, transformando pessoas em invisíveis sociais, meninos-invisíveis, no caso, estamos negando o direito de alguém ser reconhecido como pessoa. Desumanizamos o outro e, hipocritamente, esperamos que ele nos veja como pessoas, como alguém que possui direitos.

A invisibilidade social se constitui, sem dúvida, em uma das principais causas da crueldade dos atos criminosos do cotidiano. Criamos uma dicotomia social que impede, de lado a lado, compreender o outro como humano. Perceber nele aflições, medos, dificuldades e pesadelos pelos quais nós mesmos passamos.

O que pensaríamos do nosso filho, naquele mesmo sinal, com aquela mesma chuva e com a caixa de sapatos embaixo do braço repleta de balas de goma, ironicamente, doces em uma vida pra lá de amarga?

No mínimo, as lágrimas seriam um dever!
Reflita. Sinal verde. Siga!

sexta-feira, outubro 26, 2007

Da incompreensão

Compreender os momentos vividos, os sonhos da noite passada, os gestos, atos, palavras e sinais se constituem em condição necessária à própria auto percepção do ser como sujeito. Tal situação não se altera quando a incompreensão se revela ao olhar do outro, quando a nossa forma de ver, sentir, agir e, claro, ser, não é “lida” tal qual a concebemos escrever. Em verdade, piora.

Paul Virlio disse certa vez (in Velocidade e Política) que o medo é o mais cruel dos assassinos, pois não mata jamais, mas impede de viver. Diria eu que a incompreensão é a mais violenta das exclusões, pois impede ao sujeito ser reconhecido da forma como ele próprio se vê. Uma espécie de espelho de dupla face, em que a imagem refletida do lado externo não corresponde à daquele que nele se reflete.

Quantas vezes a incompreensão de um ato, por mais doce, terno ou mesmo bandido que tenha sido, levou-nos a situações constrangedoras, dúbias, admoestações e injustas críticas. Abstraindo-se da questão do bem e do mal, conceitos que não possuem uma compreensão pura em si, é a inversão e o julgamento do ato que leva ao acre sabor da injustiça.

Quem, criança, nunca foi reprimido indevidamente por um ato que não cometera? Sim, aquela vez fora o vento que, empurrando a cortina, derrubara o vaso de cristal. Apesar disso, o castigo se impunha, como se nós, crianças, pequenas encarnações de Eolo ou Lúlio o fôssemos. E ali sentíamos tal gosto pela primeira vez.

Às vezes não rimos e nos vêem rir, não choramos, mas nos vêem chorar, nos olham, nos julgam e rotulam condutas ou conceitos que se dissociam dos nossos sentimentos, aspirações e finalidades. O julgamento do incompreendido é a concretização da injustiça.

Não raro, somos nós a colocarmos a venda da incompreensão nos nossos olhos e a deixar de perceber, no outro, condições mínimas que o concretizam como sujeito.

Ignorar a condição do outro significa negá-lo enquanto ser humano; negá-lo enquanto vontade; negá-lo enquanto existente. Desconstruí-lo. “Desexisti-lo”.


(Eolo e Lúlio, respectivamente, os deuses do vento nas mitologias grega e romana)

quinta-feira, outubro 18, 2007

"Pessoas Commodities"

Commodities são produtos indiferenciados entre os concorrentes, vendidos, assim, com base no menor preço, como soja, açúcar, milho, minério de ferro...

Trazendo conceitos econômicos para as relações humanas, percebe-se que tal definição é perfeitamente adequada às pessoas que se conformam com os padrões estabelecidos pela sociedade ou pelo grupo social em que vivem. Deixam de se compreender como indivíduos e sucumbem ao grupo. São as “pessoas commodities”.

É comum percebermos pessoas que abrem mão de sua própria identidade para incorporarem estereótipos idealizados e compreendidos por terceiros. Quantas vezes nos deparamos no nosso cotidiano com pessoas diversas que nos parecem as mesmas, ou que, melhor dizendo, diante de tamanha pasteurização do subjetivismo, transformam-se em um modelo único, um standard daquilo que representam.

O mais curioso é que, comumente, tal padronização não se constitui em acaso ou conformismo, mas sim em uma busca do próprio sujeito pela perda daquilo que se cunhou denominar de identidade, paradoxalmente, se constitui em uma busca de identidade, hoje, traduzida por aceitação social. A ótica de uma perspectiva pós-moderna ou modernamente tardia, de certa forma, explica como a identidade sofre tal mutação compulsória.

Importante tal contextualização uma vez que a concepção de indivíduo surge ao final da idade média: o indivíduo passa concebido como real, estabelecido sobre a razão e a liberdade; a classificação e a posição da pessoa na categorização social imutável da época, são deixadas de lado para a valorização da identidade da pessoa que passa a ser o centro do eu; acabam as representações imutáveis e a fixidez dos estamentos, para dar lugar à mobilidade das relações, à indefinição do papel social
– o indivíduo, aparentemente, “escolheria” o seu papel social.

O desenrolar histórico, com suas alterações culturais, sociais, tecnológicas, institucionais e estruturais, fragmentou o indivíduo concebido como possuidor de uma identidade unificada e estável, produzindo o sujeito pós-moderno. Este, não possui identidade fixa, tornando-se sujeito de mutação constante conforme o espaço cultural em que se encontra diariamente, de minuto a minuto.
Michel MAFFESOLI, em O Tempo das Tribos (p. 107), trabalha a questão do neotribalismo. A sociedade se exprime na ambiência: sentimentos e emoções que descrevem as relações do interior do grupo, criando frágeis comunidades de forte envolvimento emocional; o que predomina na atividade grupal é a “desindividualização”.

Cada grupo possui suas características e as pessoas passam a fazer parte de inúmeras tribos, cabendo a cada um, a partir da ambiência, a utilização de vários figurinos, representando diversos papéis. O indivíduo perde o seu caráter singular, passando a fazer parte da “massa”. Perde-se a noção do sujeito, suas atitudes e individualidades.

Percebe-se, portanto, que a identidade se transforma apenas em um ponto de referência, uma idéia artificial, sem existência real, um nome na “lista de chamada” da vida. O sujeito trafega pela socialidade tribalizada representando suas personagens, sendo um ecologista, um surfista, um punk, um intelectual, uma “patricinha”, um “playboy”, um nerd, um drogadito ou um hacker, conforme a peça que esteja em cartaz no horário marcado pelo theatrum mundi. O indivíduo “commoditizou-se” transformando-se em sujeitos indiferenciados cujo valor é pouco relevante, pois sempre há outro para assumir o seu papel.

Negar tal “commoditização” não significa negar as diversas facetas do sujeito, pois inúmeras são as identidades assumidas pelo sujeito, dependendo do tempo e local.
Pelo contrário. É inegável que não existe um único “eu”. Todos somos formados por um complexo de identidades, cada uma levando-nos a tomar uma determinada decisão, uma atitude muitas vezes contraditória a algum dos “eus” que vivem dentro de nós, mas saudável a outros deles. Mas, fundamentalmente, uma ATITUDE, pois é ela que “descommoditiza” o sujeito.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Medos... ou o conforto da inércia.

Em meio ao trânsito confuso, aos engarrafamentos, à velocidade das estradas, à destruição das distâncias operada pelo desenvolvimento tecnológico, deparamo-nos, vez em quando, com situações que nos retiram da nossa situação de conforto, que nos deixam tensos e que geram sensações físicas intensas: do suor aos calafrios, passando por doces frios na barriga, joelhos em aparente decomposição e lágrimas ilógicas.

Não raro, tais sensações são atendidas pela palavra “medo”. Medo, segundo a definição tradicionalmente posta em nossos dicionários, é o sentimento de grande inquietação ante a noção de um perigo real ou imaginário, de uma ameaça, susto, pavor, temor, terror.

Creio que devemos ir mais além. O que é o medo, senão a perspectiva de não sabermos qual a conseqüência de nossos atos? O que vamos sentir, ver ou pensar a partir do enfrentamento do desconhecido, mesmo que este não se constitua em perigo, mas em algo prazeroso?

O medo não está ligado a sentimentos ou sensações ruins. Ele existe, não raro, quando nos deparamos com situações que podem ser boas, inesquecíveis, secretamente desejadas, rompantes, ou até permanentemente esperadas. Muitas vezes, por mais que desejemos uma mudança, uma novidade, algo que sacuda as nossas vidas, por pouco tempo ou para sempre, quando ela está próxima, o sentimento do medo nos faz tremer e, muitas vezes, deixando de atender à nossa vontade, recuamos. A explicação de tudo isso talvez seja a necessidade da manutenção do conforto, da segurança.

Em uma sociedade cada vez mais desumanizada, destituída de valores ético-filosóficos e amarrada à relação “consumo-prazer”, o sujeito busca pontos de apoio que o façam se sentir seguro e, mesmo que não exista mais a identificação com tais apoios, permanece lá, sentado, imutável, inerte às novas perspectivas, novos vôos, novos sonhos, enfim, novas sensações.

Desde criança se ouve falar que não se troca o certo pelo duvidoso, e isso, de certa forma, fica impregnado na mente e nas atitudes, o que leva o indivíduo a uma inaptidão a enfrentar seus medos. Ocorre que, nem sempre, o certo pelo duvidoso se constitui em uma relação de troca. Por que não se buscar, se possível o melhor de dois mundos? A deturpação de tal percepção de segurança leva o indivíduo à acomodação e as novas oportunidades que o retiram de tal posição de conforto são concretizadas por aquilo que chamamos de “medos”.

Portanto, o não enfrentamento de tais situações, o escudo que o medo traz consigo, na verdade, nada mais é que a manutenção do conforto da inércia. O enfrentamento dos medos é algo que deve ser desenvolvido por cada um de nós, na busca de nosso aperfeiçoamento. Assim, é de se desejar que nossas escolhas não se dêem, negativamente, em virtude do medo, mas, positivamente, por entendermos o que é melhor e o que vale a pena.

terça-feira, setembro 18, 2007

Qual o gosto?

Desde que nascemos, quase sem percebermos, nossa vida orbita a partir da língua. Não da língua falada, mas deste músculo mágico que nos faz sentir sabores doces, amargos, azedos, salgados, ou, até mesmo, inidentificáveis.
Desde o momento em que colocamos nossos lábios no seio de nossas mães, passamos a sentir, enquanto sorvemos, o sabor da vida. Passamos pelos doces, balas, sorvetes, biscoitos e rapaduras que transformam nossa boca no centro mundial do açúcar. Saímos da infância, ingressamos na adolescência e caímos dentro da boca de alguém.
Exatamente, falo do beijo, de línguas de sabores diversos acariciando-se lenta e ritimadamente (ou não), sem pressa, sem compromisso, relógio ou preocupações. Naquele momento, lábios, bocas, saliva e sabor. Muito sabor.
Qual o gosto do beijo?
Depende do momento, não basta apenas a sensibilidade das papilas gustativas, tudo o que, mais uma vez, orbita ao redor da boca interfere no paladar. O beijo roubado, o beijo mordido, o beijo forçado, o beijo feroz, o beijo na orelha, no pescoço, no ombro, nas costas...
O beijo pode ser doce, amargo, áspero, ritmado ou sem compasso, luminoso, melecado, macio ou aguado, não importa. Cada um tem seu sabor. Mas qual o gosto do beijo ideal?
Não é a pasta de dentes ou o chiclete que fazem a diferença, mas o abraço, o carinho, o afagar ou puxar cabelos, a respiração ofegante, o que ouvimos, vemos, cheiramos, a energia magnética que os corpos entrelaçados se transmitem. Enfim, o gosto do beijo depende da abertura de todos os sentidos.
Assim, descobriremos que o gosto do beijo ideal é o gosto da vida.
Beije, cheire, ouça, veja, sinta, descubra seus sentidos e dê maior sentido à vida.