Há tempos vivo com uma inquietação que, em determinados momentos, aflora. Uma terrível acomodação toma espaço cada vez maior no cotidiano. Vivemos em um ciclo vicioso onde as pessoas são infantilizadas pelo Estado ao buscar regular, exaustivamente, as condutas sociais. Os indivíduos, diante de tal situação, acomodam-se esperando que a “mãe-estado” estenda-lhes mais uma vez a mão para afagar-lhes a cabeça e protegê-los das condutas que “ameaçam” suas brincadeiras no parque de diversões da vida.
Se as pessoas deixaram de acreditar em si próprias e o legislativo passou a querer regular tudo diante de tal inércia, ou se o abuso legislativo levou as pessoas a um estado de total passividade, quase catatônico, ainda não consegui identificar, mas o que percebo é que a cada dia que passa mais me sinto infantilizado. Um menino que é levado pela mão, pela “mãe-estado”, a fim de que a sua vida seja a mais segura. Mesmo que eu dispense o interesse por segurança. O que seria um direito meu.
O excesso de normas leva à destruição da percepção do sujeito como capaz de exercer papel de mudança nos rumos da sociedade. O fetiche da lei inebria de uma sensação quase sexual legisladores e intérpretes, ávidos pela nova regulamentação que os levam ao quase-orgasmo apenas por pensarem que, a partir de então, a salvação de nossa sociedade está garantida.
Cada vez mais temos condutas proibidas dentro de uma sociedade caracterizada pelo risco proveniente da complexidade das novas relações sociais, comerciais e profissionais que se impõem no início do século XXI. Deixamos de acreditar nas pessoas. Pasteurizou-se o sujeito para que ele não fosse capaz de sentir e emitir odores. Lobotomizou-se socialmente as pessoas. Não se reconhece ninguém como efetivamente, axiologicamente, capaz. Parte-se do pressuposto de que as pessoas não possuem capacidade de pensar.
Assim, os “lobotomizados-pasteurizados” passam a, sem perceber, acreditar nisso e a desempenharem o seu papel (ou seria apenas uma participação???) social de forma a não pensar. O cérebro passa a ser considerado apenas como algo necessário para fazer peso à cabeça e evitar que ela tombe incessantemente para um dos lados de nossos pescoços.
Com isso, já que o Estado regula tudo, o indivíduo não se vê mais compelido a pensar o que seria melhor para a sua vida e a dos demais. Quais as suas pequenas atitudes que interferem ou não na vida dos outros. Chega-se à absurda e atrofiada lógica: tudo o que não é proibido é permitido. E a cortesia fenece.
Aí, como é impossível regular-se a vida integralmente – graças à Deus, ou a quem quer que se acredite, diga-se de passagem – inevitavelmente, surgem conflitos sociais cada vez mais fúteis e que, pela inaptidão das pessoas em viver em sociedade sem a coleira ou a mão do Estado, podem ter conseqüências graves.
Hoje, diante do absurdo número de mortos no trânsito se fala em leis bem mais severas, tanto no âmbito do direito penal, como na esfera administrativa. Ou então, para evitar qualquer espécie de delito proíbe-se a comercialização de bebidas alcoólicas após um determinado horário. Proíbe-se, também, de fumar em quase todos os locais habitáveis.
Nunca causei vítimas ao dirigir meu automóvel, nunca briguei após ingerir bebidas alcoólicas e não fumo – salvo umas cachimbadas no final de semana, escondido para não ser apedrejado.
Não se trata de entrar no mérito da questão se tais medidas são adequadas ou não, apenas servem de exemplo. O que pretendo trazer à reflexão é o quanto somos oprimidos por novas leis; um número cada vez mais sufocante que nos leva à acomodação, ao não fazer nada como seres humanos no sentido de alterar as nossas relações com os outros.
A nossa inaptidão para desenvolver relações pessoais saudáveis, mesmo que, por um milagre legal, deixem de figurar no campo do trânsito, da embriaguez ou do tabaco, será transferida para outra esfera de crise e nós, infantilizados, sentaremos na calçada e choraremos até o momento em que a mãe-estado sinalize com a solução, quando, na verdade, estará agravando o problema. Ficaremos cada vez mais mimados e ensimesmados, alheios a um próximo cada vez mais distante.
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