Amanheceu cinza. Denso. Onofre chegara cedo. Vestiu a casaca vermelha com botões dourados, as calças pretas e o distintivo que lhe dava a importância que, enquanto fulano, nunca tivera.
Duílio esperava na fila desde os primeiros sopros do dia. Da brisa úmida e quente. Pesada. Após algumas horas em pé, na fila, chegara a sua vez. Trazia consigo um travesseiro.
Onofre perguntou o nome do preso e a pena. Duílio respondeu: Victor. Perpétua... Era a primeira vez que se dirigia ao presídio após seu filho, Victor, ter sido condenado a passar o resto da vida gradeado.
- O que trazes?
– Um travesseiro.
Onofre examinou o presente. Sorriu e negou-se a receber. Chamou o próximo. Duílio, cabisbaixo, se foi.
O inverno se iniciava e, na semana seguinte, lá estava ele, na fila, Com um cobertor sobre seu ombro esquerdo. Pretendia aquecer o seu filho. Quando chegou a sua vez, Onofre perguntou:
- Nome do Preso e Pena?
Duílio respondeu novamente. Questionado acerca do que trazia, apresentou o cobertor. Onofre olhou, verificou a qualidade, sorriu, mais uma vez negou-se a receber e chamou o próximo.
Toda semana, o mesmo roteiro com o mesmo final. Somente o que trazia para Victor variava: frutas, roupas, pão, vinho, livros, óculos para a miopia... Anos passaram.
A vida de Duílio se diluía na espera e nas infrutíferas tentativas. Um dia, após mais uma negativa de Onofre, já fraco e velho, caiu. O algoz foi ao seu auxílio e perguntou se podia fazer algo. Em seu último suspiro, perguntou:
- Por que em todos estes anos de prisão, nunca, nada do que eu trouxe para o meu filho, deixaste entrar?
– Porque tudo o que trouxeste era digno.
*Exercício da Oficina de Imitação de estilo oferecida pelo Prof. Luís Augusto Fischer, no Studio Clio, referente ao texto “Diante da Lei”, de Franz Kafka.
excelente.
ResponderExcluir