Jornal Zero Hora, 22 de abril de 2010 – Página 32 – “Envolvido em uma briga em um hipermercado após estacionar o carro em uma vaga para deficientes, o comerciante Rudicir Fernandes de Freitas, 34 anos, diz que não dorme direito há três dias. Preocupado com sua imagem, ele afirma que passou a ser visto como um monstro, mas ressalta que é apenas um pai de família que trabalha 18 horas podia.”Após a referida discussão, Rudicir que tinha pressa em voltar para casa, a fim de assistir um jogo de futebol, atingiu Léo Mainardi, 49 anos, que o havia chamado de analfabeto, ignorante, corno e f.d.p., com uma barra de ferro na cabeça.
Página 33 – “Um dos autores da pichação da estátua do Cristo Redentor disse estar arrependido e que irá se entregar nos próximos dias à polícia. O pintor de parede Paulo Souza dos Santos, 28 anos, [casado e pai de um menino de 4 anos] afirmou que recorreu ao vandalismo para protestar contra a demora nas investigações de crimes no Rio”. Afirmou à reportagem do jornal O Dia: “- Queria pedir perdão a Deus e à população carioca. Eu sei que cometi um ato errado. As pessoas estão achando que sou bandido ou traficante. Não sou nada disso. Sou um ex-militar. Não tinha a noção de que meu ato teria essa repercussão toda.”
Rudicir e Paulo eram anônimos até então. Integravam a massa dos sem rosto. As câmeras do sistema de segurança do hipermercado e a publicidade natural do maior símbolo religioso do Brasil expuseram a outros “pais de família” os crimes[1] a eles atribuídos. Em sua perspectiva, não poderiam estar ali, frequentando as páginas policiais.
Experimentam o acre sabor da instantaneidade da repercussão de seus atos. Rudicir, mais tarde, em casa, viu-se protagonizando cenas de violência nos telejornais da noite. Paulo assistiu a sua contribuição à arte. Ambos só perceberam e concretizaram suas condutas quando a televisão lhes contou o que haviam feito. Parafraseando o segundo, não tinham noção que seus atos teriam tamanha repercussão.
O significado das ações se deu com a repercussão, como se sem ela as condutas não tivessem conteúdo.
[1. Aqui, a palavra crime não assume o conceito jurídico de injusto culpável, mas sim o conceito sociológico de crime como fato social. Sociólogos e criminólogos têm preferido utilizar a expressão desvio, a diferenciar do conceito jurídico de crime. Contudo, dentro de uma perspectiva criminológica entendemos necessário o resgate da expressão “crime”. O desvio, tal qual o crime, é um juízo de valor realizado sobre uma determinada conduta. Contudo, sua perspectiva é mais ampla, uma vez que se refere a qualquer comportamento desaprovado por um determinado grupo social, tenha previsão típica ou não. O desvio, assim, é a conduta que desborda dos padrões estabelecidos, sejam no ordenamento jurídico ou na esfera ético-moral da sociedade. A partir de uma percepção secularizada do fato social, onde o imoral não se confunde com o jurídico-penal, julgamos necessária a imposição de tal termo como marco limite a pontuar a análise que se faz do fato que tem repercussão criminal.]
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