segunda-feira, outubro 19, 2009

Um compositor de palavras

Nos último anos os compositores de palavras perderam sua importância. Se antes eram os donos das palavras, hoje estão mudos. Foram esquecidos pelo tempo. Falo dos tipógrafos. Houve uma época em que a notícia era menos instantânea, podia ser saboreada antes de se transformar em domínio público. E quem detinha o poder de saboreá-la era aquele homem que, com uma destreza luminosa, selecionava as letras responsáveis por contar a todos as informações doces ou ácidas levadas pelo jornal.


Naquele tempo, aliás, havia jornais matutinos e vespertinos. A sede de informação era grande e o prazer no manuseio do papel jornal acompanhado de um bom café era compartilhado pela maioria das pessoas. Mais tarde veio a televisão e, aos poucos, o fascínio pelos impressos diminuiu em medida inversamente proporcional ao desenvolvimento tecnológico e à velocidade da notícia.


O tipógrafo fez fama em um tempo em que se dava valor ao revisor. Vários escritores que mais tarde seriam famosos e respeitados emprestaras seu tempo à correção de equívocos derivados da falta de intimidade de um ou outro repórter com a língua portuguesa. Hoje, da mesma forma, não existem mais revisores. Ao menos é o que parece. De volta ao compositor de palavras, ele desempenhava a sua atividade com dedicação e alegria. Desde cedo limpava e organizava os tipos. Desenvolvera uma técnica de distribuição a partir da maior ou menor utilização das letras. Sabia que a letra “a” era utilizada vinte vezes mais que o “u”; assim como a quantidade de “bês” sempres corresponderia à exatamente a metade, nem mais, nem menos, dos “tês” utilizados em uma edição do jornal. Ninguém era capaz de aprontar a impressão da matriz mais rapidamente que ele. Era imbatível! Ou quase!


Sua destreza não contava com o advento e popularização da informática. Na verdade, zombava daqueles colegas de profissão que aparentavam temor diante da ameaça do que denominava de “tecnotolíces”. Hoje, mora no museu. Divide a mesma sala com um operador de telégrafo, um fabricante de carburadores e três mosqueteiros.


*Exercício da Oficina de Imitação de estilo oferecida pelo Prof. Luís Augusto Fischer, no Studio Clio, referente ao texto “Um artista da fome”, de Franz Kafka.

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